27 de fevereiro de 2013

A vida, modo de usar - Georges Perec

A vida, modo de usar (La Vie mode d'emploi) surgiu como muitas obras da OuLiPo (Ouvroir de Littérature Potentielle): de um desafio posto aos integrantes do grupo: escrever a versão francesa para o clássico Como fazer amigos e influenciar pessoas (How to win friends and influenced people), de Dale Carnegie, pioneiro na literatura de auto-ajuda, lançado em 1936 e até hoje um best-seller. 
Perec, Queval e Arnaud aceitaram a empreitada - que incluía transformar o livro num best-seller, na França, ao menos. O desafio foi feito, conforme ata do grupo, em 23 de março de 1971. Apenas Perec - que já era o escritor mais proeminente do grupo - conseguiria levaria a cabo a tarefa, seis anos depois, em 1977 - outro ano foi gasto pelo editor para lançá-lo. Nesse interím, Perec lançaria onze livros, três dos quais foram estudos para A vida, modo de usar: Ulcérations (1974), Tentative d'épuisement d'un lieu parisien (1975), e a segunda parte de Alphabets, Cent soixante-seize onzains hétérogrammatiques (1976). Como o autor deixa claro em passagens de Alphabets, seu trabalho não se limitou a destrinchar o estilo do livro de Carnegie, para mimetizá-lo a seguir, mas em pesquisar técnicas de marketing e neuro-lingüística - conhecimentos que ele associou a regras matemáticas para escrever A vida, modo de usar.
A principal inovação da obra está no fato de ser um livro de auto-ajuda escrito em forma de romance, sem ocultar que é auto-ajuda. Ítalo Calvino o classificou de hiper-romance: "o incomensurável do projeto nada obstante realizado; a novidade do estilo literário; o compêndio de uma tradição narrativa e a suma enciclopédica de saberes que dão forma a uma imagem do mundo; o sentido do hoje que é igualmente feito com acumulações do passado". 
Àqueles que conhecem algo da obra de Perec, o título pode soar irônico, mas não é esse o caso: há nele realmente a intenção de ser um manual para a vida na sociedade contemporânea. "Um guia de sobrevivência na selva de pedra do século XX", ainda conforme Calvino. Certo que há esquisitisses para um livro de auto-ajuda, não apenas o fato de ser um (bom) romance: os exemplos do pintor de aquarelas, e do seqüestrador da loira, a fábula dos quartos de empregada. Mas estão lá as dicas de auto-superação, as regras para o sucesso - simbolizado pela compra da casa própria, mesmo que comece pelo quartinho de empregada -, a defesa tanto do trabalho árduo quanto da necessidade de descansar e, claro, as incitações ao pensamento positivo e às demonstrações de alegria de viver.
Talvez a principal crítica a ele enderaçada foi feita por Umberto Eco, que o considerou uma "obra de arte fechada", o que atestaria que, a despeito do seu estilo de literatura, não passava de outro livro de auto-ajuda, que nada acrescentaria aos muitos já lançados: "até a planta do edifício o livro possui", sublinhou o italiano. Essa crítica não foi suficiente para que o livro se tornasse, realmente, um best-seller, vencendo, assim, o desafio.

 
Curiosidades: Sucesso de crítica literária e de venda, apesar das suas quase 600 páginas, o livro ficou por cinco semanas entre os mais vendidos na lista do Le Monde. O mesmo Le Monde o incluiu na lista dos cem livros mais importantes do século XX (e à frente do próprio Como fazer amigos e influenciar pessoas).
Por ter vencido o desafio, Perec foi condecorado com a Médaille Évariste Galois de Littérature Potentielle, dada apenas em outras sete oportunidades pela OuLiPo.

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